- Spoiler:
- Primeira oneshot que escrevi sobre Slimmy. Espero que gostem!
O fim pode não ter muito sentido, à primeira vista, mas se lerem com cuidado vão descobrir que afinal até tem lógica.
Obrigada por lerem.
Não
Inspirou profundamente. Deixou que o ar entrasse pelas suas narinas e descesse até encher por completo os seus pulmões. Depois expirou, separando ligeiramente os seus lábios carnudos para que o dióxido de carbono pudesse sair do seu corpo.
Abriu, então, os olhos e deixou que vagueassem discretamente pelo ambiente que o rodeava. Parado de pé, à sua frente, estava um homem alto, de cabelo e barba grisalha, com longas vestes de ar pomposo que lhe cobriam todo o corpo e tocavam no chão. Ao lado estavam uma série de jovens todos vestidos de branco, com ar solene e tranquilo. Por trás aparecia um altar, dourado e ostentoso, ornamentado com flores brancas e amarelas. Ao meio, surgia imponente uma figura de Cristo na cruz, em madeira trabalhada hábil e cuidadosamente para que na face do filho de Deus se notasse o seu sofrimento, mas também a sua calma e paz.
- Paulo Fernandes, aceita? – Perguntou o padre, na sua voz rouca e envelhecida.
Só então ele olhou para o seu lado esquerdo e viu uma jovem que usava um vestido simples, que lhe caía até aos pés. A sua cara estava tapada por um véu que apenas deixava transparecer o azul-céu dos olhos dela, que o fitavam e perscrutavam incessantemente.
- Sim ou não, Paulo? – Insistiu o padre, aparentemente ignorando os murmúrios que se ouviam agora na igreja. Os convidados impacientes mexiam-se nos seus lugares, falavam uns com os outros perguntando-se porque razão estava ele a demorar tanto tempo a responder a uma pergunta tão simples.
Sim, simples, mas uma pergunta com rasteira. “Preso por ter cão e preso por não ter.”. Se ele respondesse não, seria para sempre conhecido como o homem que deixou a noiva no altar. Se ele respondesse sim, teria de deixar de ser ele próprio para ser ele mais ela.
Olhou novamente para a sua noiva. Desta vez distinguiu-lhe as feições pálidas como a neve, os lábios definidos vermelhos como sangue e os seus olhos azuis, que continuavam bem presos nele.
- Não. – Disse ele finalmente, fazendo a sua voz grave ecoar por toda a igreja, de modo que todos os presentes tomassem conhecimento da resposta dele.
O seu coração não falhou uma batida, o seu sangue não correu mais depressa nas veias, a sua voz não tremeu, as suas pernas não fraquejaram. Sentia-se calmo como se estivesse a falar sobre o tempo ou a comentar o filme que tinha visto na véspera. No entanto, sabia que não devia sentir-se assim. Tinha acabado de destroçar um coração, de o partir em mil pedacinhos e de deixar a sua dona sem saber quando ia conseguir colá-los novamente. Mas, apesar disso, nada nele tinha mudado.
Contudo, à sua volta, tudo parecia ter parado no tempo. Ninguém falava, ninguém se mexia, ninguém desviava o olhar de si. Fechou os olhos. Nada daquilo parecia real…
Quando os abriu novamente, apenas viu uma parede branca à sua frente. Levou uns momentos para perceber que no seu quarto, confortavelmente deitado na sua cama e o que via era apenas o tecto. Ao seu lado estava deitada uma loira, de feições pálidas e lábios vermelhos. Não conseguia ver a cor dos olhos dela, porque as pálpebras cobriam-nos numa suavidade característica de um sono profundo, mas sabia que eram azuis.
Levantou-se com cuidado para não a acordar e dirigiu-se à casa de banho. Ao lado do lavatório estava um copo azul com duas escovas de dentes lá dentro. “Não.”. Deu meia volta e deparou-se com umas cortinas cor-de-rosa que tapavam ligeiramente a janela. “Não!”. Voltou para o seu quarto e abriu o guarda-roupa: de um lado, a sua roupa, um pouco desordenada; do outro, roupa feminina, organizada por cores e tecidos. “NÃO!”.
Vestiu umas calças e uma t-shirt, as primeiras coisas em que pegou e saiu de casa.
“No way, nem pensar. Esta cena não é para mim!” pensou ele, enquanto se afastava a passos largos do seu apartamento na baixa da cidade.
FIM